Tinha lá meus 08 anos quando assisti o primeiro Terno de Reis da minha vida, lá pelos anos 50 no Litoral do RS, na Praia do Barco, naquela época era um lugarejo de poucas casas e foi no salão do Hotel Vendaval. Lembro bem, pois a noite boa parte da comunidade se dirigia para o hotel da dona Laura Leal Menger, onde tudo acontecia e veranistas do SESC vinham gozar sua quinzena de férias.
Era dia dos Santos Reis , 06 de Janeiro, uns jogavam cartas , outros conversavam, brincavam era uma feliz algazarra e então o fato se deu e descrevo: adentrou ao recinto um cidadão, de o nome Antônio Catarina que com seu falar cantadinho, mas bem baixinho, ia segredando e acertando pormenores com a Dona Laura, que pelo jeito sabia o que estava por acontecer. Eu curioso e metido me aproximei e fui me tornando testemunha da história e ainda ouvi ele dizer que tinham que desligar as luzes do salão e feito isso o fato se deu, a luz se foi e um “oooo” geral e a mágica e linda surpresa se fez, pois do lado de fora se iniciou o tão Divino cantar “senhor dono da casa com licença da chegada”, passados minutos, a porta foi aberta e a luz acesa e o iluminado cortejo entrou com sua mística cantoria e o enfeitado Terno de Reis, foi se apresentando e se movimentando em direção de um canto onde havia um bercinho e nele uma criança, como se estivesse numa manjedoura. Logo Depois vieram as despedidas e o terno se bandiou para outra freguesia.
Estava eu tão eufórico com a linda apresentação e aquele mágico e místico momento me carimbou e me emocionou tanto, que a partir daquele dia, nasceu um novo pesquisador cultural e lá se vão mais de 60 anos. Ah! a criança linda no berço, na verdade era uma menina, seis anos mais nova que eu e que com o tempo se tornou minha parceira querida e guerreira de uma vida inteira e a pouco dias completamos nossas Bodas de Ouro.
Mas voltando, as Culturas Populares emanam do POVO e persistem em se manterem vivas. E nestes anos todos, como pesquisador, tive grandes professores iluminados, que em orientaram nessa caminhada. E assim sempre tive insistente dedicação e devoção neste meu andar, por tantas e tantas comunidades de maravilhosas diversidades culturais, que tem o nosso deslumbrante litoral e observando e vendo que algumas persistem, felizmente, em permanecerem vivas, mesmo sem recursos vão repassando essas tradições, dos avós dos avós.
Acompanhei, nessa boa e insistente jornada, homens, mulheres, filhos, que traziam acesas suas ricas tradições e aprenderam com as suas extremas carências a terem persistência e pulso forte, que eram a luz dessa sua sobrevivência cultural e, assim, conseguiam driblar, as suas imensas dificuldades, com criatividades e deixando de lado seus imensos problemas e abraçavam as folias.
Nos dias atuais vivemos, outros ventos e outros tempos e muitas dessas místicas manifestações, estão sendo abandonadas ou se encaminham para o esquecimento e se as forças vivas culturais não entrarem em campo urgentemente e se unirem, aos que ainda abraçam as culturas populares, dia após dia, essa nobre causa, vai ceder lugar aos cantares e dançares alienígenas ou profanos demais, porquanto, infelizmente, nos nossos dias, cambiaram-se os valores.
Dia destes, acessei alguns vídeos voltados a ternos, por indicação de minha filha, que volta e meia anda pros lados da Bahia e Minas Gerais, com seus projetos e também já havia sido alertado pelo fantástico pesquisador Luiz Agnelo, o Gordo, que por um tempo foi caminhoneiro e conheceu bem os sertões e sua ainda viva e rica Cultura .
Num dos vídeos me encantei e me encontrei viajando lusitanamente e ainda me fez lembrar das cirandas e janeiras e até quadrilha que já tivemos cá no e parece que se foram. O que me refiro é o Terno das Ciganas de Mortugaba-BA, terno que me emocionou e também verifiquei, que a cada novo ano aumentam mais suas integrantes e nós aqui do RS ficamos a lamentar que nossos ternos estão se exaurindo e lá assisti crianças falando com imenso orgulho o que lhe foi legado, por aqui as “invernadas” o fazem ainda.
Claro que enviei para o Mestre Mario Tressoldi, que também apreciou e me repassou boas informações. Ele é oriundo de uma família de gerações e gerações de Ternos de Reis e que conhece profundamente este assunto, desde os nossos ternos do RS e até muitos de fora . Quando observo o Mario e outros guerreiros pesquisadores sempre penso ou afirmo: o verdadeiro pesquisador, sai a campo com qualquer tempo, seja chuva barro, sol, vento e, então, garimpa e colhe as informações, nas nascentes das ricas culturas populares e a eles todas as nossas luzes e homenagens.
NB: Há poucos dias percebi uma boa luz e que os bons e novos ventos culturais estão soprando na nossa direção e de abrangência estadual e vindo em socorro aos fazedores de cultura do RS, que é o Colegiado de Culturas Populares do RS e participei há alguns dias de uma bela e agregadora live e estou me empoderando novamente, aliás sou teimoso e nunca parei, que as boas luzes iluminem e acompanhem os idealizadores, porquanto lá pro Norte os grupos aumentam se protegem, nós cá do Sul vemos diminuírem as nossas Culturas Populares.
Um até breve e que o Grande Arquiteto do Universo, me mantenha aqui por bom tempo ainda, para que eu e os parceiros possamos seguir garimpando nessa inesgotável jazida e que as novas gerações abracem esta divina, mágica e envolvente estrada e com muita luzzzzzzzzzzz sempre!