Nos idos dos anos 80 no litoral do RS a manifestação da musicalidade negra era conhecida, somente, pelo auto dos Maçambiques em Osório, em homenagem a Nossa Senhora Do Rosário. Com o advento de estudos e pesquisas, os horizontes desta musicalidade se alargaram , surgindo a parceria, inicial, do compositor e pesquisador Ivo Ladislau com o músico Carlos Catuípe, na composição e registro do primeiro "Maçambique" nos festivais. Posteriormente, outros parceiros vieram acompanhar e participar das pesquisas de Ivo Ladislau.
O que é Maçambique
O Maçambique é uma manifestação Sócio-Cultural-Religiosa, criada pela raça negra com o intuito de preservar suas origens em ambientes diferentes do qual viviam na África há quase 400 anos. É uma manifestação popular autêntica e expontânea : Folclore puro.
Sua origem vem de um antigo reino em Angola, país da África, no século XVII, onde uma mulher de nome Nginga Nbandi (Ginga) que subiu ao trono e morreu na guerra em defesa de seu reino. Ela foi batizada com o nome de Ana de Souza, em 1622. A lembrança de sua existência venceu séculos, pulou mares e ainda hoje no Rio Grande do Sul mais exatamente em Osório, os fatos que eram história, viraram folclore.
O Maçambique é a representação da cerimônia de coroação da Rainha Ginga e do rei de Congo, tradição Africana.
Em Osório devem ter chegado com os escravos que vieram trabalhar nas plantações de cana de açúcar.
De lá para cá o que garante a perpetuação desta festa, é sua transmissão de geração a geração.
O Ritmo, o balanço, vieram junto da África, mas as danças, as roupas, as letras de suas músicas, em boa parte, foram criadas no Brasil, mais especificamente em Osório, quando ainda se chamava Estância da Serra. Se constituem de traduções e adaptações da língua Africana. Encontramos, nos versos, a forte influência da igreja, mas em alguns nota-se o desafio da irmandade negra em respeito a seu folclore, citamos um:
"Ah seu padre santo
Desça do altar
E venha receber
O Maçambique real."
A Festa
A festa de N. Senhora do Rosário representa em síntese, a coroação da Rainha Ginga e do Rei de Congo:
Inicia-se o ato folclórico com o capitão do mastro e seu ajudante erguendo o mastro e na ponta do mesmo, colocam uma bandeira de S. José, com os dançantes ao seu redor, dançando e cantando:
"Hoje é dia de São Tomé
Levantemô a bandeira de S. José"
Do Levantamento do mastro os reis seguem para a coroação, na igreja, antigamente era na porta da Igreja, feito isso cantam:
"Tá c'roado, bem c'roado
Nosso grande imperador
Tá com a c'roa na cabeça
C'roa de nosso Senhor"
Depois seguem cantando rua afora para o salão paroquial, onde seguem as festividades, e lá os dançantes entre outras danças realizam a dança do lenço. Existe também o pagamento de promessas. As festividades começam na quinta feira, mês de outubro, e terminam no domingo com o arreamento do mastro e a escolha do festeiro para o próximo ano. No domingo quando partem para o arreamento do mastro saem do salão cantando:
"Ah seu festeiro
Saia para fora
Com sua ordenança
Vamo-nos embora"
E no arreamento do mastro eles cantam:
"Hoje é dia de São Tomé
Abaixemo a bandeira de São José."
Existem uns cem números de quadrinhas, que são cantadas durante as festividades da Festa de N. Senhora do Rosário. A festa se restringe ao mês de outubro, mas a um canto de morte em que os Maçambiques homenageiam a rainha Ginga ou alguém em especial...
"Os anjos tão chorando-o
com grande tristeza-o"
Seguindo-se doze incelências.
O ritmo
Ivo Ladislau e Carlos Catuípe que registraram o primeiro Maçambique (gênero musical), a princípio foi cogitado o nome de "congada", mas como este ritmo era característico só do litoral norte do Rio Grande do Sul, optou-se por Maçambique. Cléa Gomes (Mãe de Catuípe Jr), passou a ser a intérprete, dando um tempero todo especial.
O primeiro Maçambique em festival foi a música com nome "Aporte" na interpretação de Loma.
O gênero musical MAÇAMBIQUE começou a ser trabalhado nos festivais a quase 15 anos, pelas pesquisas de Ivo Ladislau e Carlos Catuípe, Durante alguns anos este gênero foi olhado pelos jurados e organizadores de festivais com desconfiança, confundido que foi, com os ritmos baianos. A Moenda, a Tafona e mais adiante o Musicanto foram os primeiros festivais a difundir e acreditar nesta renovação. Com tempo, compositores de peso como Beto Bollo, Kako Xavier, Catuípe Jr., Marco Araújo, Heleno, Cardeal, Jerônimo Jardim, mais recentemente, se engajou no movimento e toda uma nova geração de músicos.
A primeira maior vitória do Maçambique foi ter vencido o Musicanto dois anos seguidos (considerado por muitos o melhor festival do RS), com "Senhora Rainha Negra" e "Maçacaia" (Beto Bollo, Kako Xavier e Ivo Ladislau) abrindo as portas do maior festival da América Latina: Cosquin, na Argentina. Senhora Rainha Negra e Maçacaia foram apresentadas para mais de trinta mil Pessoas e por televisões da língua espanhola, com muito sucesso.
Maçambique ou Moçambique
Alguns historiadores denominam de Moçambiques por acreditarem que parte dos escravos do litoral vieram desse país, mas eles se auto-denominam de Maçambiques. Quando falam de seu movimento utilizam a palavra maçambique e assim vemos nos seus cantos e versos:
"Ah seu padre santo
Desça do altar
E venha receber
O Maçambique real."
Se tivermos de voltar s origens, em seu nascedouro lá na África, só ficarão os dançantes, pois o original de suas letras perdeu-se no tempo ou então foram substituídas por quadrinhas que melhor soavam para o clero. ... Entre o "a" e o "o" o meio musical optou pelo "a". O "a" é profano, aberto, tem ritmo, tem música, tem dança, projeção, evolução, tem vida, liberdade, negritude... e é como os negros cantam.
"Que rua tão cumpridá,
Toda cheia de pedrinhá"
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Maçambique é o que os negros querem ... Moçambique é o que algumas pessoas pensam que eles desejam. Deixem eles caminharem com suas próprias pernas.
Alegam que se não os "ajudarem" o grupo termina. Acredito noutra possibilidade: Devolvam a "caixinha" que tiraram deles e quem sabe no amanhã eles terão sua sede própria e a liberdade de seu folclore. Deixem que cantem seus versos. Deixem sua acentuação oxítona , não tentem corrigi-la, por favor devolvam-lhes a liberdade, para que eles cantem a seu modo a sua gente.
Versos de Maçambique
Tá c'roado, bem c'roado
Nosso rei imperadô
Tá c'roa na cabeça
C'roa de Nosso senhô
Quie senhora é aquela
Que vem lá da paróquia
É a nossa Senhora sr
Que já vai para a gloria
Minha virgem santa
Manda acalmar o vento
Aí vem o rosário sr
Por esta porta adentro
Ninguem viu o que eu vi hoje
Lá no pé daquela cruz
Encontrei menini deus
Filho da virgem Maria
Oh nosso festeiro
Saia porta a fora
Com sua ordenaça
Oi vamos nos embora
Ah vamo embora
Aqui fiva ninguem
A virgem do rosário
Vai com nois tambem
Oh nosso padre santo
Desça do altar
E venha receber
O maçambique real
Oi vamo pra igreja
Rezar oração
Rosário ele entrega
Pro nosso capelão
Coroamo nossa Senhora
Grande mãe do salvadô
E de todos esses seus filhos
Que até hoje khe acompanha
Oi que rua tão cumprida
Toda cheia de pedrinha
Primeiro vou pedir licença
E depois pedir perdão
Pra ver e receber
Esse grande capelão
Marcha S o Bento
Marchô, Marchô, marchô
A sua infantaria
A tenente coronel
io, io, io
O nosso manifesto
E o capitão nago
O tenete coronel
O nosso general
Com sua licença
Hoje é dia de São Tomé
Abaixemo abandeira de S> José
Hoje é dia de São josé
Abaixemo abandeira de São Tomé
Cranguejo no mar
Cranguejo pexe é
olio.oli.oli, olá
Oh meu são benedito
Conta de onde viesse
Vim aqui de tão longe
Que notícia trouxestes
O meu São benedito
É um santinho preto
quando ele fica brabo sr
Ele ronca no peito
Encontrei com a senhora
Na beirado do rio
Tava lavando os paninhos
Do seu amado filho
A senhora lavava
São josé estendia
Só o menino chorava Sr
Texto escrito em 1997 por Ivo Ladislau |