Há cerca de vinte anos venho me dedicando a estudar as festas do Divino EspÃrito Santo. Minha memória mais remota recolhe um momento importante da infância: a passagem da bandeira do Divino, conduzida por um grupo de cavaleiros e precedida por um deles que tocava um tambor para anunciar a quem estivesse nas roças por perto de casa, que a Bandeira chegava e ia abençoar aquela morada.
Com o tempo percebi o quanto o culto e as festas do Divino eram importantes e tomavam a atenção de centenas de comunidades Brasil afora.
Quando tive oportunidade de participar de uma dessas festas nos Açores, em 1988, na Ilha Terceira, vi o quanto ela é importante para os açorianos que também foram os responsáveis pela sua implantação no Brasil e noutras partes do mundo onde imigraram.
No primeiro momento chamava-me a atenção o colorido das festas e as manifestações devocionais em forma de alimentos, de procissões, de cortejos, alegorias a se fazerem representar numa festa junto á Igreja, não sendo o pároco a figura principal na condução dos festejos, mas o povo, liderado por um imperador ou festeiro.
Comecei a observar a simbologia, as representações e os poderes hierarquizados que sustentam a continuidade da tradição e o fizeram, por tanto tempo, paralelo ao que previa a Igreja, que punha em questão a forma de festejar e de louvar o EspÃrito de Deus.
Bem, se a festa é pensada e realizada por pessoas – pobres e ricas, conhecedoras ou não dos mandamentos da Igreja que são preceitos, isto não mede a devoção ou a fé, que é individual.
A festa é uma soma de sonhos, de piedade, de vaidades, de devoção manifesta de várias formas e até de competição. A festa é, portanto, divina e humana. Nela são permitidas excentricidades que podem ser perdoadas mais facilmente, por ser tempo de festa, em que estamos mais leves e predispostos a amar os outros e permitirmos a nós mesmos um pouco de exagero, de embriaguês.
As relações de poder são evidentes dentro da festa. Conforme Focauld, as pessoas não têm poder, mas detêm poderes. Esses poderes são relacionais e se apresentam em escalas discretas e tácitas. No entanto, dentro da Festa do Divino o poder é expresso em forma de quanto alguém pode gastar, da riqueza da sua vestimenta e até da sua posição dentro de um cortejo ou procissão, seja onde for que a festa se realize.
Neste sentido, o palco da festa é quase sempre daqueles que a sustentam ou que exercem algum encargo dentro dela ou na própria sociedade. Alguém deverá estar nos bastidores para que a festa aconteça.
Esta é uma forma de servir ao EspÃrito Santo, pelos irmãos, por abnegação, necessidade ou até para galgar um posto mais alto no ano seguinte.
No mês de junho passado tive a alegria de conhecer uma festa do Divino no estado da Califórnia, Estados Unidos, na cidade de San Jose, lugar onde os açorianos fizeram base econômica desde o século XIX e preservaram, nas suas comunidades, tradições das suas ilhas de origem. Assim, a festa do Divino seja talvez o maior acontecimento festivo daquela região.
Surpreendeu-me a força com que aquele povo mantém os festejos, onde se agregam milhares de pessoas para verem-se a si mesmos, serem vistos por sua própria comunidade, parentes e visitantes e desfilarem para este mesmo público, ostentando muito brilho com suas rainhas, princesas, mordomos e cavaleiros vestidos a rigor.
São cerca de quatro quilômetros de extensão do desfile no dia da festa, seguido por uma multidão que é servida com a sopa do espÃrito santo, prato tÃpico das festas açorianas em honra ao Divino.
Esta festa na Califórnia foi precedida pelo IV Congresso Internacional sobre as Festas do Divino, que reuniu estudiosos do assunto, de várias partes do mundo. Açores, Portugal Continental, Canadá, Estados Unidos, Bermudas, Havaà e Brasil.
Do Brasil, a representação contou com nove participantes: três de Santa Catarina, um do EspÃrito Santo e Cinco do Rio Grande do Sul, a saber: Pascoalino , de Osório que falou sobre os Cavaleiros do Divino no Litoral Norte, Célia Silva Jachemet que apresentou o trabalho intitulado Luz sem Fronteiras; as festas do Divino nas fronteiras e além fronteiras do Rio Grande do Sul com Argentina e Uruguai e Jairton Ortiz que expôs o assunto sobre A Reinvenção da Açorianidade no Século XXI e a Festa do Divino de GravataÃ. Participaram
como ouvintes o casal Regina e Marcos Fiss, de Pelotas.
Nesse congresso se pôde sentir, através da fala dos congressistas, a importância do culto á Terceira Pessoa da SantÃssima Trindade, onde quer estejam os açorianos, somando-se à cor local e ao modo como cada paÃs ou região vive em sociedade.
O primeiro congresso foi realizado em Florianópolis em 1991, o segundo em Porto Alegre em 1996, o terceiro, na Ilha Terceira, Açores, em 1988, no qual participaram vinte e oito gaúchos. O quarto congresso, como já falamos, foi na Califórnia e o quinto voltará para os Açores em 2012, ano em que se comemora os 260 anos do povoamento açoriano no Rio Grande do Sul. Com isto, e somando-se a proporção cultural que representam as festas do Divino no Rio Grande do Sul, com as suas festas agregadas, como Cavalhadas, lançamos o desafio para a Rota Açoriana – processo de produto turÃstico que é desenvolvido no Estado, que os festejos tradicionais do Divino possam fazer parte de roteiros turÃsticos. |